INTRODUÇÃO





O nome deste blog tem um significado muito especial para mim , na verdade esta era a frase que o meu avô mais utilizava entre um ar sério e brincalhão, sempre que eu e a minha prima Michele então miudas de 12 anos, nos portavamos pior do que o costume, o que normalmente significava estarmos a fazer algum disparate que o envolvesse , enquanto riamos desalmadamente! Era qualquer coisa como: vejam lá o que é que arranjam... - ou então : estas duas são frescas são! - ou talvez ainda : não façam nada que eu não fizesse!
Esta ultima já sou eu a esparvoar ...

Então crianças, atenção à escrita!

Está bem, está bem, já ouvimos.






domingo, 7 de fevereiro de 2010

Sem receita médica

Tem alguma coisa para o esquecimento? A frase surgiu de uma senhora que estava ao meu lado, a ser atendida na farmácia, mas diluiu-se no vai e vem da funcionaria e nas conversas dos restantes clientes.Só eu ouvi. A senhora devia andar pelos setenta e apesar do aspecto físico ser bastante razoável , tinha um ar perdido como se tivesse mais idade ou antes, como se o chão do tempo teimasse em fugir-lhe debaixo dos pés. Já ali estava há um bom bocado, trouxera uma receita para aviar que a funcionaria levara na mão, para trás e para diante ,enquanto ia depositando os medicamentos no balcão . E eram muitos. Habilmente a funcionária escrevia em cada uma das caixas as quantidades e os intervalos de tempo correspondentes.Uns eram para o coração, outros para a tensão, outro ainda para a artrose, a pomada para massajar as pernas. A senhora não estava minimamente interessada, a sua postura inquieta denunciava outros pensamentos mas anuía, educadamente ,ao que lhe ia sendo transmitido.Na altura de pagar, sentiu-se o seu nervosismo crescer, quando a mão deslizou para dentro da mala que pousara em cima do balcão. Tirou, primeiro um e de seguida vários envelopes de janela que abriu, um a um e revirou nas mãos tentando localizar o dinheiro que deveria estar num deles. Mas o dinheiro não se mostrava, estaria mesmo num envelope? Talvez no que estivesse dobrado, ou seria naquele que tinha umas anotações com letra azul, ou talvez no bolso com fecho eclair localizado na parte de dentro da mala? Se calhar não tinha levado dinheiro … mas sim, lembrava-se de ter tirado dinheiro de uma gaveta da cómoda e não se lembrava de o ter deixado em casa, por isso tinha que estar com ela.Era uma busca insana, a mão trabalhava ansiosa, ás escuras, sem rumo. Se não era aquele envelope, devia ser o outro ou então não era ali ou então … Quanto é que devia?Já não se lembrava e a falta de vista impedia-a de ler o talão de compra. A funcionária repetiu o valor. Finalmente encontrou a carteira de onde foi tirando notas e moedas que, sem contar, espalhou em cima do balcão perante o olhar paciente da farmaceutica que tentava ajudá-la . O dia já ia longo.Contas saldadas, teve que fazer o caminho inverso, desta vez já sem ninguém à espera, demorou tempo para arrumar os medicamentos dentro da mala entre os envelopes de janela e a carteira e outras coisas que servem para não sei o quê. O seu tempo na farmácia tinha terminado, estava aviada e havia mais pessoas para serem atendidas, mas não se foi embora . Manteve-se no mesmo lugar, imóvel e expectante e quando a funcionaria regressou para atender outro cliente, já não esperando encontra-la, a senhora inclinou-se para a frente em ar de confidência, o estômago prensado contra o balcão, os olhos pesquisando rapidamente em redor como se não quisesse ser vista, na verdade, resguardando-se de algum ouvinte indesejado, e baixando o tom de voz de forma quase inaudível, falou. Falou, mas não se ouviu: desculpe mas não percebi... questionou a farmaceutica mantendo o ar paciente. O tempo esgotava-se.A senhora encheu-se de coragem e de novo investiu , estômago e barriga colados ao balcão, cabeça inclinada para a frente, desta vez a funcionaria adoptou igual postura e assumiu o mesmo ar de cumplicidade, os rostos quase se tocaram e a voz soltou-se : a menina tem alguma coisa para o esquecimento?

domingo, 31 de janeiro de 2010

Rebel Rebel

John Bellany v David Bowie

Agosto de 1992 em Glasgow, eu e a minha querida prima Michele fomos ver a exposição de pintura de um famoso artista escocês de nome John Bellany. A exposição intitulava-se " a long night's journey into day". O David Bowie não tem aparentemente nada a ver com a exposição... mas tem! Sabem porquê? Depois esclareço. Agora vejam e escutem este tema excepcional do David Bowie , que para mim é muito mais do que um musico. The one and only.

sábado, 30 de janeiro de 2010

A Sesta

Sentiu-se cair para a frente mas o corpo , habituado às investidas, instintivamente inclinou-se para a direita onde estava a parede onde bateu com a cabeça e quase caía de joelhos no chão não fora o pequeno caixote de lixo que ali jazia amparando-lhe a queda e evitando um mal maior. Acordou imediatamente , confusa e atordoada e tentou recompor-se recostando-se de novo para trás . Massajou levemente a testa à procura do sitio. A pancada tinha sido pequena. Graças a Deus! pensou, senão alguém podia ter ouvido.Que espaço tão apertado. Bom e podia ter-se magoado, ficado com alguma marca.E uma marca na testa assim de repente naquele local não era facilmente justificável.Com os cotovelos apoiados nos joelhos deixou a testa descansar um pouco nas mãos.Sentiu-se de novo resvalar.Lá estava aquele poço fundo , muito fundo e o corpo a rodopiar, a rodopiar… Estás bem? Está tudo bem?Ouvi um barulho , questionou alguém do lado de fora. Sobressaltou-se, alguém tinha mesmo ouvido.Ficou irritada, já uma pessoa não podia ter um pouco de privacidade, uns minutos para si, fechar um pouco os olhos, enfim , ter um deslize. Afinal ainda a tarde ía a meio .Está tudo bem! - respondeu tentando que a voz parecesse o mais normal possível.Como era possível que uma pancada pequena tivesse produzido um som capaz de chamar a atenção lá fora! Era quase impossível – ou talvez não…Tentou levantar-se. Tinha os pés como se tivesse saído duma sessão de acumpunctura mal sucedida tais eram as picadas que os invadiam e os músculos das pernas e do resto do corpo dormentes. O poder do sono era tremendo, saia de dentro dela, conquistava-a envolvendo-a nos seus numerosos braços e recolhia-a ao seu próprio interior …tão dócil, tão entregue…uma espécie de camisola vestida ao contrario. Sentia-se levitar mas o tampo onde estava sentada já mostrava indícios de querer ceder.Tinha mesmo que reagir. Levantou-se .Tinha tudo planeado, já não era a primeira vez. Onde estiveste tanto tempo, perguntavam habitualmente os colegas. Ora... - respondia sem querer nem poder. A dormir a sesta seus imbecis, pensava. Tinha tudo planeado. Ruidosamente fez correr o rolo de papel higiénico e arrancou folhas de papel que rapidamente amarfanhou em forma de coisas parecidas com bolas que deitou para a sanita. Segui-se o autoclismo que descarregou sem ter nada de jeito para descarregar, tossiu e quase espirrou, fez barulho q.b., esfregou o olhos cuidadosamente para não borrar a pintura, soprou para a sua própria cara apontando para os olhos que teimavam em fechar-se , ajeitou a roupa e os cabelos e abriu a porta.Voilá! O espaço da casa de banho era realmente exíguo, confirmou mal conformada. Em passo razoavelmente firme atravessou a luz que inundava a área de atendimento e dirigiu-se para a sua secretária. Tinha a desagradável sensação de que algum cheiro caracteristico da casa de banho se tinha colado a ela denunciando-a. Discretamente, pelo caminho agarrou uns papeis que propositadamente esquecera quando fizera o caminho inverso .O cliente , esse ser distante ( no entanto ali tão perto) continuava sentado de costas voltadas , apenas o balancear da perna cruzada denotava alguma impaciência. Será que desta vez tinha perdido a noção do tempo, questionou-se ligeiramente inquieta. Paciência! Fez notar o seu regresso pousando a mão direita no ombro esquerdo do infeliz – Sr.Augusto, finalmente Sr. Augusto ! - a voz saiu-lhe excitada e arrematou - Finalmente encontrei os papeis , estava a ver que não era para hoje! Desculpe te-lo feito esperar…